A Esfolada - sexo e paixão em Gréia Ville

Se você não assistiu ao primeiro capítulo de A Esfolada, eu conto agora como foi.

Deu pra notar que o amor do cortador de cana (Zé Orlando) pela dona do engenho (Eufrázia) era um negócio violento. Esse amor era tão forte, tão arrebatador e tão barulhento, que daquele xumbregado todo que passou, eu só consegui ouvir o seguinte:

- Eufrázia, minha filha, vamos moer cana?
- Bora, Zé Orlando! É hoje que eu vou explodir a caldeira!
- Oxente! Só isso? Eu quero é mais! Vou esfolar você todinha!
- Ah, é? Então vem cá, que é hoje que eu tiro caldo de cana! Vou deixar só o bagaço!


E foi assim que aconteceu. Moído e doído, o casal deu uma dormidinha e perdeu a hora. “Ai meu Deus! Meu irmão vai me matar!” disse Eufrázia. E foi correndo pra casa. Chegando lá, o irmão notou o que ela tinha andado fazendo: pelo jeito que ela caminhava, dava pra ver que ela estava toda assada, coitadinha. Mas o irmão não teve dó: sacou logo quem tinha passado o rolete na menina, e mandou dois capangas pegarem o pobre cortador de cana. Botou o homem no tronco e avisou: “Vai passar a noite aí. Amanhã você vai saber o que é cortar cana, seu miserável. Dessa daí, nunca mais vai sair caldo! E vai ser de uma foiçada só”.

De madrugada, porém, Eufrázia foi salvar o seu amor, para que ele pudesse um dia pegar de novo na enxada: “Fuja, Zé. Senão ele corta em rodela, feito rolete de cana. Vá... mas volte! Vou ficar esperando”. E Zé foi, que não era besta. A novela agora é se ele volta.

Anos depois, teve uma grande festa em Gréia Ville: uma recepção para o ministro Mandrágoras. Tinha até sujeito de saiote xadrez tocando forró com gaita de foles! E acompanhado de triângulo e zabumba, bonitinho que só vendo! Só que, quando o homenageado ia falar, deu um vento tão da bexiga-lixa que saiu levando tudo. Aliás, quase tudo; não sei que tipo de vento era aquele, que só ventava na cara das pessoas. Os saiotes dos pernambucoceses não levantaram, e as folhas das árvores da praça sequer balançaram. Vôte!

Pertinho dali, uma menina (filha da moagem de Zé Orlando mais Eufrázia) corria atrás de um menino no meio da ventania: os dois subiram um morro, ele foi na frente e ela desembestou atrás. Subiu uma poeira arretada e escureceu tudo. O vento uivava. A gente só via a silhueta do menino lá em cima do morro, quase sumindo. Aí a menina gritou: “Arsênio!” (Foi a maior decepção que eu tive. Pelo clima e pela paisagem, jurava que ela ia gritar “Heathcliff !!!”).

É... foi até boazinha, a novela. Mas parece que vai ser parecida com aquela outra, que também se passava no Nordeste. E não é assim mesmo? Novela é tudo a mesma coisa. A começar pelo sotaque: tanto faz Pernambuco, Alagoas ou Bahia, o sotaque pra eles é um só. Desta vez, pelo menos, alguns atores já começaram a perceber que pernambucano não diz “g(ó)verno” nem “R(é)cife”, e sim “g(u)verno” e “R(i)cife”...

Eu não gosto mais de novela. Saramandaia foi a última que eu assisti. Mas como esta teve suas primeiras cenas filmadas em Pernambuco, eu não resisti. Afinal, Pernambuco é o lugar...

Se der, depois eu volto pra contar outro capítulo.

Abu Zadim

Glossário

Esfolada - ardida, assada, arranhada; xumbregado - agarrado, xamego, ato sexual; bagaço - aquilo que resta depois de apertar, moer e tirar a última gota de caldo de um pedaço de cana; rolete - pedaço da cana que foi cortada horizontalmente em rodelas no formato de moedas gordinhas. É bom de mastigar, mas quando um fiapo daquele entra na gengiva dá um trabalho arretado pra tirar. Isso quando não dá uma dor da bexiga; caldo de cana - é o “suco” da cana. Tem gente que chama de garapa; pernambucocês - indivíduo que veste saiote xadrez e toca forró com gaita de foles.


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